Antecedentes históricos da Administração: uma introdução ao estudo da TGA
Antecedentes históricos da Administração: uma introdução ao estudo da TGA
Por Kleber Ximenes Melo [1]
Ficha técnica:
Objetivos:
- Reflexão sobre as condições históricas que proporcionaram o surgimento da Administração como ciência autônoma.
- Demonstrar por meio de exemplos e fatos que os princípios da Administração já eram conhecidos e adotados por profissionais de outras áreas desde a Antiguidade até o início da Era Industrial.
- Examinar a evolução da Revolução Industrial de modo geral e, especificamente, nos Estados Unidos, identificando as condições que propiciaram o acúmulo de capital necessário ao protagonismo norte-americano como líder da economia mundial
Carga horária total (partes 1 e 2): 2 h/a*
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O que é a Administração: uma ideia inicial
A Administração é a ciência voltada para a definição da melhor forma de organização para um dado tempo, atividade e lugar. É uma forma de pensar as organizações a partir de cinco operações básicas definidas por Henry Fayol como planejamento, organização, comando, coordenação e controle, e, por fim, “é uma ciência que estuda as organizações com finalidade descritiva e explicativa para compreender sua natureza e funcionamento, sua evolução e crescimento e seu comportamento”[2].
A Administração como ciência é apontada de forma unânime pela doutrina como tendo início com os estudos de Taylor e Fayol. A despeito disto o ser humano se organiza em empreendimentos desde tempos imemoriais, entendendo-se inicialmente, para os fins deste capítulo, a Administração como a forma de organização do trabalho humano para o atingimento de um fim.
Como veremos, a ciência da Administração será fruto da aquisição de um conjunto de saberes e competências acumulados pela humanidade durante sua história e que surgiu como ciência autônoma, isto é, como um campo específico de estudo, com o advento do século XX, quando a Era Industrial alcança sua maturidade e exige o desenvolvimento de soluções para a superação de seus desafios.
Vamos pensar, exemplificativamente, na mais primitiva forma de empreendimento humano registrada, a caça, verificável nos arquivos pré-históricos das artes rupestres espalhadas em rochas por todo o mundo.
A caça envolve planejamento, organização, controle, coordenação e comando, se quisermos seguir as lições de Fayol.
Ou seja, o grupo de caçadores localiza a manada ou o indivíduo sobre o qual investirão, analisam o ambiente, escolhem o animal a ser abatido e estabelecem a sequência de ações a serem seguidas, este é o planejamento.
Em seguida dividem as tarefas conforme, provavelmente a especialidade (uso de determinadas armas no momento oportuno, quem vai isolar o animal etc) e condições físicas de cada um da equipe, deixando-se claro o papel de cada um no trabalho, esta é a organização.
O líder verifica constantemente se todos estão posicionados corretamente e prontos para agir conforme o planejado e garante que cada um irá agir no momento oportuno, esta é a coordenação, dando-lhes ordens na sequência dos fatos (comando).
Seguido ao sucesso do abate do animal irão realizar o tratamento inicial da vítima, provavelmente limpando-lhe das vísceras e esquartejando-a para facilitar o seu transporte para o seu ajuntamento (logística).
Chegando lá trabalhadores e trabalhadoras especializados irão retirar as peles para emprega-las em roupas, tendas, tambores etc., separarão os cortes, provavelmente reservando os melhores para o líder, separarão pedaços específicos de ossos para deles fazerem ferramentas, armas e ornamentos e coisas semelhantes, agregando valor aos bens escassos por meio de toda uma indústria da caça pré-histórica.
À indústria da caça agregaram-se as indústrias da pesca, da agricultura e da pecuária.
Os avanços trazidos por essas indústrias proporcionaram aos clãs o aumento populacional necessário para produzir bens em grandes variedade e quantidade, deram mais tempo aos homens para desenvolver ideias como, por exemplo, passar das simples habitações em cavernas e tendas para o desenvolvimento de habitações de pedras, barro e tijolos, a aglomeração dessas novas habitações propiciaram as primeiras cidades.
As cidades melhores administradas passam gradativamente a exercer influência sobre as suas vizinhas, às vezes a proeminência é cultural, às vezes militar, mas sempre econômica. Um exemplo bem clássico desses dois tipos de influência podemos ver na disputa por hegemonia entre Atenas e Esparta, das quais a primeira detinha proeminência cultural e a segunda proeminência militar.
O aumento dessa influência levou à formação dos primeiros impérios e com estes surge a necessidade de Administração do Poder Estatal.
Civilização e Administração
Nesse período surgem as primeiras grandes construções de caráter religioso e que procuram também demonstrar a força do Poder Estatal, surgem de modo mais ou menos contemporâneo as zigurates na Mesopotâmia, que podiam alcançar até 100 metros de altura[3], e as pirâmides no Egito, tendo a mais alta conhecida cerca de 146 metros[4] [5]. Não deve ser difícil ao estudante imaginar que para alcançar-se sucesso tão grande em obras tão monumentais a presença dos seguintes elementos estavam necessariamente presentes: planejamento, organização, controle, coordenação e comando, podemos adicionar aí uma complexa técnica de administração de materiais e de logística, de tal modo que muitas técnicas utilizadas na construção das pirâmides permanecem um mistério até hoje, como por exemplo a forma de transporte das grandes pedras de 2,5 toneladas e seu posicionamento a alturas de até 146 metros.
O célebre autor brasileiro Idalberto Chiavenato[6] cita a capacidade dos governantes egípcios e mesopotâmicos, exemplos explorados acima, para “planejar e guiar os esforço de milhares de trabalhadores” para produzir tais monumentos, cita, igualmente, a existência de documentos egípcios e chineses que versavam sobre organização, burocracia e boa administração e prossegue citando o conselho bíblico de Jetro a Moisés (Êxodo 18.13-26) que estabelece o princípio da delegação de competências e o teria convertido no primeiro consultor administrativo da história.
Antes, porém, de Jetro, temos a figura de José do Egito, biblicamente o primeiro grande Administrador Público da história, que organizou a produção agrícola do Egito para suportar sete anos de seca, criou grandes armazéns e levou o faraó de um líder político ao senhor absoluto do Egito, tornando-o o proprietário de todas as terras, com exceção daquelas pertencentes aos sacerdotes e criando um imposto sobre a produção (Gênesis 39;41 e 47.13-26).
Alguém pode contestar a veracidade de tais histórias, mas as lições sólidas que elas encerram não são passíveis de contestação. De igual modo a antiguidade dos documentos demonstram que o conhecimento e os princípios de boa Administração já eram apreciados pelos grandes realizadores do passado.
Posteriormente surgem os grandes filósofos gregos, no período de VII a.C a IV a.C., sendo que, segundo o mesmo Chiavenato, o tema Administração foi abordado por Sócrates, Platão e Aristóteles.
Em “A política” Aristóteles analisa além dos modelos de Administração Pública a prática do monopólio, sobre a qual cita a visão de negócio de Tales de Mileto[7] que ao analisar o ambiente, percebe a oportunidade de alugar todas as prensas de azeite das cidades de Mileto e Quios antes do fim do inverno, período no qual não havia demanda para tais equipamentos e, portanto, o preço estava baixo e pode alugá-las no tempo da colheita pelo preço que quis fazendo fortuna rápida. O monopólio é um meio controverso, mas é algo que, de certo modo, é buscado por todas as empresas competentes ao desenvolverem vantagens competitivas, sendo que estas não deixam de ser o monopólio provisório de certas habilidades desenvolvidas pela capacidade estratégica das melhores organizações.
Durante o Império Romano e seguindo pela Idade Média surgem as corporações de ofício, que, conforme Pellin e Engelmann, foram as primeiras formas “de organização econômica, jurídica e social de caráter expansionista e empresarial”[8]. Essas corporações criam um conjunto de regras internas que versam desde seu modo de funcionamento e regulamentação das “relações de trabalho” até as normas de concorrência, e de qualidade dos produtos, de modo que, segundo Forgioni, “inspiram o legislador até os nossos dias”[9].
A mesmo tempo em que se desenvolvem essas corporações de ofício, ensina Chiavenato[10], a Igreja Católica cria uma estrutura hierárquica organizacional e global que é adotada por muitas empresas até hoje, bem como a disciplina militar oferecerá ideias como a unidade de comando e o planejamento estratégico.
Findada a Idade Média surgem a ciência e uma nova filosofia que desencadeiam as grandes transformações que darão nascimento, séculos mais tarde, ao estudo da Administração como ciência autônoma. Notadamente será a obra de Descartes com o seu método cartesiano que influenciará de forma vigorosa o trabalho de Frederick Taylor, em seus estudos de racionalização do trabalho[11].
Descartes propõe quatro regras-condições para chegar-se ao conhecimento da verdade, quais sejam: (1) a evidência como um filtro inicial da verdade, ou seja, não aceitar precipitadamente nada como verdade sem antes avaliar sua verossimilhança (a aparência da verdade), em Taylor um exemplo da aplicação da evidência seria como ver-se-á na terceira aula do curso, a eleição do “homem de primeira classe”; (2) a análise a redução das coisas complexas em coisas simples, esta característica do método cartesiano será provavelmente aquela mais facilmente identificável no trabalho de Taylor, por exemplo, nos estudos de tempos e movimentos; (3) síntese, partindo-se do resultado da análise desenvolver uma reflexão mais complexa do objeto do estudo, na obra de Taylor essa fase seria a estipulação dos padrões de trabalho resultantes da análise dos tempos e movimentos; por fim (4) a enumeração que consiste na elaboração de enunciados gerais tão completos que possam ser aplicados ao conjunto da realidade, aqui estaria a própria teoria da Administração Científica.
Todas essas questões serão vistas de forma mais detalhada na terceira aula do curso, sendo que as abordamos aqui apenas na intenção de demonstrar a relação existente entre Descartes e o estudo científico da Administração.
Durante os séculos XVIII e XIX ocorreram mudanças econômicas e sociais importantes, promovidas pelos fenômenos do rápido crescimento do volume do intercâmbio e do comércio de mercadorias no fim da Idade Moderna; do advento do sistema de produção manufatureiro; a grande inflação de preços nos séculos XVIII e XIX; e o regime de cercamento dos campos, também conhecido como a Revolução Agrária, que representa a instituição do capitalismo agrário[12].
Tais transformações culminam na Revolução Industrial cuja característica básica é a substituição das forças humana, animal e da roda d’água por aquela gerada a partir da queima de combustíveis fósseis e pela eletricidade[13] e pelo crescente deslocamento de contingentes humanos do meio agrícola para servir como mão de obra nas cidades. A Revolução Industrial será o principal tema da parte 2 dessa aula.
Paralelamente ao advento da Revolução Industrial surge a teoria econômica liberal por Adam Smith, seguida pela instituição do Código Comercial francês (1807)[14] que terminam pondo fim às corporações de ofício e às amarras que estas, por seu caráter artesanal (focalizando aqui a produção como arte mesmo), corporativista e personalista, representavam aos interesses da manufatura fabril que prezava pela produção padronizada e em escala. A fábrica torna-se a senhora das relações produtivas e comerciais.
Mas é o século XIX que trará as condições definitivas para o surgimento da Administração como ciência autônoma. Até cerca de 1850 as empresas eram negócios de família e não tinham estrutura organizacional definida[15], mas a partir de 1865 a fundação da Standart Oil por John D. Rockefeller será o divisor de águas entre essa realidade familiar, generalista e arcaica e o início da era das grandes corporações.
Rockfeller será seguido por nomes como Carnegie, Westinghouse, J.P. Morgan e Mauá, dentre tantos outros, como pioneiros das grandes corporações industriais e financeiras que definirão o futuro da Administração.
Esses grandes empreendedores formaram impérios industriais “grandes demais para serem dirigidos pelos pequenos grupos familiares”[16], tornando-se necessária a criação da figura dos gerentes profissionais para auxiliarem na gestão dos empreendimentos.
Chiavenato afirma que as empresas atingiram tamanho tal com aquisição de concorrentes e de empresas da sua cadeia produtiva que acumulavam instalações e pessoal além do necessário, vemos daí que tais estruturas, apesar de gigantes e dominarem os mercados pelo seu tamanho, eram pouco eficientes o que impedia o crescimento do lucro e, certamente, significavam maiores preços ao consumidor.
A aurora do século XX demonstrará o esgotamento do modelo inaugurado pelos grandes empreendedores e deixará clara a necessidade da busca de novas soluções de organização em bases científicas para esses problemas, essa busca virá a desencadear o surgimento da teoria administrativa[17].
A Revolução Industrial: desenvolvimento do capitalismo e inovações tecnológicas, uma corrida pela liderança mundial entre Inglaterra e Estados Unidos.
Esta segunda parte da aula sobre os antecedentes históricos da Administração tratará especificamente sobre os acontecimentos que propiciaram a formação de um volume de capital necessário para a ascensão do fenômeno da Revolução Industrial. Falaremos também do deslocamento da hegemonia inglesa para os Estados Unidos, a partir da segunda metade do século XIX.
Será nos Estados Unidos nascidos desse período que, no início do século XX surgirá a Escola da Administração Científica, a partir do trabalho de Frederick Taylor, nascido, justamente, no período imediatamente anterior à Guerra de Secessão e educado e formado no Maravilhoso Mundo Novo da Ascensão do Capitalismo Industrial Norte Americano.
A Revolução Industrial
A Revolução Industrial surge ao mesmo tempo, e em consequência, em que se dá aquilo que Motta e Vasconcelos chamarão de “o processo de consolidação do capitalismo” ou ainda de “acumulação primitiva do capital”[18], dando-nos a entender um processo de formação de volume inicial de capital, necessário para o desencadeamento das transformações que possibilitarão o surgimento do Capitalismo Industrial nos séculos posteriores.
O foco da literatura sobre o tema Revolução Industrial é a Grã-Bretanha deste período (séculos XVIII e XIX), por esta ter se antecipado nas transformações que levaram à Revolução Industrial, mas, com algumas variáveis os fenômenos são basicamente os mesmos em toda a Europa. Portanto os textos que seguem são generalizações que tentam explicar de forma didática as transformações ocorridas na Europa nesse período, ainda que o roteiro básico seja o modelo inglês.
Para os referidos autores quatro são as “principais fontes da acumulação primitiva de capital”[19] que possibilitou a ascensão do capitalismo industrial e à Revolução Industrial:
1. O rápido crescimento do volume do intercâmbio e do comércio de mercadorias no fim da Idade Moderna. No século XVIII, conforme informa Hobsbawm[20], tal intercâmbio e comércio eram capitaneados pelos mercadores-navegadores internacionais. O relevante papel econômico desses profissionais consistia na compra dos bens produzidos pelos artesãos locais para vendê-los em um “mercado mais amplo”, ou seja, no mercado internacional ultramarino. O aumento de demanda desses bens manufaturados será o fator que libertará o artesão da produção por encomenda individual, peças personalizadas, sob medida para um demandante, para, a partir daí, realizar a produção em escala que se configurará na produção de uma série de bens padronizados em grande quantidade para consumidores de lugares distantes com os quais o artesão não manteve contato.
2. O sistema de produção manufatureiro. Surge como herança das corporações de ofício[21], sistema que foi quebrado pelo fim dos monopólios regionais. O sistema de produção manufatureiro foi promovido pelo absolutismo, fruto da aliança dos monarcas absolutistas com o mercantilismo internacional, fazendo-se surgirem as primeiras fábricas. Tais fábricas funcionam, a princípio, em um sistema de manufaturação de matérias-primas para um mercador-capitalista, ou seja, produzindo em escala lotes de produtos acabados para atender a um demandante que fornece-lhes a matéria-prima e remunera-lhes pela sua transformação em um produto final padronizado.
Tais fábricas tornam-se possíveis graças ao desenvolvimento técnico, em especial, à associação da tecnologia de máquinas a vapor ao tear, ocorrida, entre os anos de 1767 e 1800[22].
Este sistema evoluirá de modo que o mestre-artesão que detinha, a princípio a propriedade da oficina, prestando serviço para o mercador-capitalista, virá posteriormente a perder a propriedade mesma da sua oficina, ou de, pelo menos, das máquinas, vindo a tornar-se, com o tempo, em mera espécie de gerente de fábrica e seus antigos aprendizes passam à qualidade de operários, pessoas que, destituídas dos meios de produção, vivem da venda de sua força de trabalho.
3. A grande inflação de preços nos séculos XVIII e XIX. Motta e Vasconcelos indicam que nos séculos XVIII e XIX houve grande inflação de preços na Europa, provocada pelo acúmulo de ouro trazido das colônias americanas, Hobsbawn acrescenta outros fatores a essa inflação de preços, como os custos das constantes guerras. Esse fenômeno causou o enriquecimento dos mercadores e industriais ao passo que reis e nobres, que dependiam das rendas fixas de suas terras foram perdendo dinheiro e poder. Hobsbawm explica que “a inflação tendia a reduzir o valor de rendas fixas, como aluguéis”[23]. Essa acumulação de capital pelos mercadores e industriais dará maior robustez e velocidade ao processo de industrialização.
4. O regime de cercamento dos campos, a Revolução Agrária. Para Hobsbawn a transformação da terra em mercadoria significa um dos requisitos mais necessários e indeléveis para a instituição do capitalismo, de maneira forte dirá, revelando o significado devastador desse fenômeno para o mundo da época:
“o que acontecia à terra determinava a vida e a morte da maioria dos seres humanos entre 1789 e 1848. Consequentemente, o impacto da revolução dupla sobre a propriedade e o aluguel da terra e sobre a agricultura foi o mais catastrófico fenômeno do período”[24].
As terras dos nobres, por fim, foram vendidas ou cercadas para a criação de animais, os valores dos arrendamentos exacerbados, pondo fim ao sistema feudal de arrendamento de terras aos camponeses e obrigando-os a migrarem para as cidades, nas quais constituirão a primeira mão-de-obra destinada à indústria nascente, esses contingentes humanos em êxodo para as cidades continuarão aumentando à medida que as indústrias crescem e passam a demandar mais mão-de-obra.
A função da terra agora é o lucro individual, não a subsistência comunitária. E a situação de desamparo do camponês será acirrada pela Nova Lei dos Pobres de 1834. Esta lei foi instituída na Inglaterra, como emenda à norma original que previa a assistência ao trabalhador desamparado, em especial ao inválido para o trabalho, o Ato de emenda de 1834 revogará essa política assistencialista, impondo em seu lugar, “sob o pretexto da austeridade das contas públicas e da moralização dos pobres […] uma legislação muito mais baseada na vigilância, na internação e no controle social dos pobres”[25]. O regime de cercamento, associado às políticas de indigenciamento e de facilitação de circulação de pessoas entre as paróquias, como veremos melhor no próximo item, fornecerão ao capitalismo industrial abundante mão de obra barata para as fábricas.
5. O surgimento da teoria liberal. Esse tópico não é indicado na obra de Motta e Vasconcelos, o adicionamos ao presente trabalho por motivo de acreditarmos que, dentro da fenomenologia dos itens vistos acima a teoria liberal é essencial como, a princípio, tentativa de explicar as mudanças que ocorrem rapidamente no mundo de então, e, posteriormente, tornando-se a própria doutrina justificadora e direcionadora da expansão e aprofundamento do liberalismo econômico no mundo. Tal afirmativa é de tal forma verdadeira que Bastos[26] apontará ‘A riqueza das nações’[27] como o lastro ideológico utilizado para justificar a Emenda de 1834 à Lei dos Pobres, que, se por um lado, prendia o pobre à sua paróquia de origem para receber o amparo legal, por outro, impedia a livre circulação de pessoas dotadas de capacidade produtiva para localidades em que essa força de trabalho era escassa. Informa ainda que Thomas Malthus oferecerá três passos para eliminar os entraves que representava o assistencialismo inglês aos contribuintes: a eliminação de qualquer legislação que dificultasse a livre movimentação dos pobres, a extinção das organizações que tornassem o trabalho urbano mais caro que trabalho rural, eliminando as corporações de ofício, e, por fim, instituição de formas de auxílio ao pobre que representassem, de tão degradantes e estigmatizantes, um desincentivo e um último recurso para estes recorrerem e que fossem sustentadas por contribuições voluntárias e não impostas.
Estes cinco tópicos tratam especificamente da ascensão da Revolução Industrial, a qual coincide com o colapso do remanescente modo feudal de produção ainda em vigor na Europa Moderna, neles vê-se que a sociedade europeia é essencialmente agrícola em um período no qual a inflação dos preços em toda a Europa. Especialmente na Grã-Bretanha onde o sistema de produção feudal já tinha cedido lugar a uma exploração agrícola-capitalista insipiente, o próprio preço da terra encarecerá, inviabilizando de modo crescente, aliado à propaganda ideológica antiassistencial e de caráter liberalista, a permanência dos pobres no campo, direcionando-os para as cidades, lugares nos quais as manufaturas são mais abundantes e que não dependem de terra, mas de outros fatores para expandir sua produção. A constante evolução tecnológica conseguirá aumentar a produção de forma rápida e disponibilizá-la em mercados de todo o mundo, dando conta de absorver parte do contingente humano vindo do campo.
Empresas e pessoas na Revolução Industrial
Quando falamos de empresas e pessoas no contexto das Revoluções Industriais e, em especial, desejamos chamar a atenção do leitor para as circunstâncias sociais e empresariais desse período, o fazemos para tentar melhor compreender a sucessão de fatores que aclimataram o surgimento da Administração Científica.
Conforme Santos[28], nos primeiros anos do século XVIII a produção têxtil britânica era baseada na manufatura da lã, esta “caracterizava-se por ser caseira, artesanal e descentralizada”[29] e na qual o produtor era também, normalmente, um lavrador e criador de gado, destacando-se a criação de ovelhas, uma vez que, conforme Hobsbawm, os camponeses dedicavam-se parte do ano à agricultura e nos meses de inverno ao artesanato e à manufatura. Essa produção manufatureira acontecia de forma descentralizada, baseada na unidade familiar, e, portanto, “subdividida em centenas de milhares de pequenas unidades produtoras”[30].
Como visto, aconteceu na Grã-Bretanha, durante a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX, um êxodo em massa da população do campo para a cidade, fruto das transformações econômicas e políticas desse período. Este êxodo também se tornará crescente no restante da Europa nos próximos anos. A nova classe operária, expulsa dos campos, como visto, é recebida nas fábricas em condições precárias, submetida a jornada de trabalho de até 16 horas[31], sem distinção de sexo ou idade e recebendo salários irrisórios, em relação, entretanto aos salários sim, diferenciava-se mulheres e crianças, que recebiam salários menores que os dos homens adultos, submetidos ao tempo da máquina, sem que o industrial tivesse preocupação com sua fadiga[32]. Juntam-se às más condições do trabalho as péssimas condições de vida na cidade, na qual famílias se amontoavam em cortiços e epidemias diversas causadas pela má higiene e ausência de saneamento grassavam.
O efeito dessas mudanças nas cidades é que lugares como “Londres e Edimburgo viram-se transformadas num formigueiro de mendigos, prostitutas, ladrões e camponeses desesperados, que viviam de pequenos expedientes”[33].
As grandes cidades se apinham, portanto, de gente em estado de miserabilidade, disposta a aceitar qualquer pagamento por seus serviços, vivendo em condições de “promiscuidade, falta de conforto e higiene”[34], as cidades, por sua vez eram “feias, insalubres, insuficientes para abastecer as populações”[35] e as condições materiais do trabalhador pobre da cidade era, talvez, pior que a vivenciada em outros períodos da História e mesmo que a vivenciada nos países não industrializados[36].
Sobre as condições das cidades neste período Hobsbawm nos diz:
“Sem dúvida todos estes triunfos tinham o seu lado obscuro, embora este não figurasse nos quadros estatísticos. Como se poderia encontrar uma expressão quantitativa para o fato, que hoje em dia poucos poderiam negar, de que a revolução industrial criou o mundo mais feio no qual o homem jamais vivera, como testemunhavam as lúgubres, fétidas e enevoadas vielas dos bairros baixos de Manchester?
Ou, para os homens e mulheres, desarraigados em quantidades sem precedentes e privados de toda segurança, que constituíam provavelmente o mais infeliz dos mundos?”[37]
As fábricas não eram diferentes das cidades nesse período, o trabalho do operário acontece em lugares insalubres e perigosos e o trabalho em tais condições é realizado por homens, mulheres e crianças.
Desse modo pode-se imaginar o quanto foi possível a realização de acúmulo de capital pelos industriais deste período, uma vez que a extrema abundância de mão de obra barata, submetida ao que chamaríamos hoje de condição análoga à escravidão, permitia a produção em quantidade com pouca ociosidade de equipamentos, tendo em vista a longa duração das jornadas de trabalho.
As transformações nos campos ingleses, com a implantação do capitalismo rural, se tornarão coadjuvantes desse processo também no aumento da produção de alimentos e matérias-primas, dando às cidades a sustentação necessária para suportar a população crescente.
E, do mesmo modo, a política desse período se voltará para fornecer a esse intercâmbio entre campo e cidades melhor infraestrutura logística com a produção de melhores estradas e portos, tais avanços facilitarão também o intercâmbio de pessoas e conhecimentos levando as inovações científicas da Europa continental, que conta com centros de excelência de ensino técnico e acadêmico para a Grã-Bretanha, a qual, segundo Hobsbawm[38], não conta com um bom sistema educacional.
Os Estados Unidos assumem o protagonismo da Revolução Industrial
Os Estados Unidos foram beneficiados pela Revolução Industrial inglesa a partir da primeira metade do século XIX, à medida que especialistas ingleses começam a buscar oportunidades na Europa continental e na América, levando consigo suas máquinas e investimentos com foco na indústria têxtil baseada no algodão[39] [40]. Entretanto será a Independência e a Constituição dessa Nova República Americana, nascida desde já imbuída do espírito liberal que irá tornar os Estados Unidos os líderes do processo de industrialização até cerca de meados do século XIX[41] [42], ultrapassando, desse modo, a Grã-Bretanha e assumindo o protagonismo do capitalismo industrial no mundo. Sebben e Silva[43] atribuem em especial à acumulação americana que viabilizou o seu protagonismo mundial a maior centralização política ocorrida após a Guerra de Secessão, ao incentivo ao trabalho livre, ao protecionismo industrial e ao desenvolvimento do seu sistema bancário.
Outro fator de sucesso para a industrialização americana será o aumento populacional, o século XIX experimentou um acentuado crescimento de seus contingentes populacionais, sendo que justamente os países mais industrializados experimentarão um crescimento maior, a Inglaterra quase triplicará a sua população e os Estados Unidos ainda superarão essa inflação populacional[44]. Esse fenômeno se aliará ainda à maior mobilidade das pessoas, facilitada pelo fim das leis que prendem o homem à terra e pela revolução dos transportes, de 22 milhões de pessoas que deixaram a Europa para outros continentes entre 1850 e 1880, a maior parte migrou para os Estados Unidos[45]. Esse crescente contingente de pessoas retroalimentará a Indústria com mão de obra e mercado consumidor.
Os Estados Unidos também não careceram de terras, uma vez que o oeste permanecia inexplorado, podendo expandir suas fronteiras rurais, cujas terras seriam exploradas por colonos que adotaram o regime de capitalismo agrícola, ou seja, cuja produção, utilizando trabalhadores assalariados, era voltada ao abastecimento do mercado, podendo, desse modo, absorver a crescente mão de obra que acorre ao país. Este fenômeno era marcante nos estados do norte e do oeste, apesar de o modo de produção escravocrata e monocultor ainda permanecer no Sul até a Guerra de Secessão (1861-1865).
É, justamente, no período imediatamente anterior a essa Guerra Civil que nasce Taylor (1856), na Filadélfia, cidade do Estado nortista e industrializado da Pensilvânia. Imagina-se que ele tenha crescido, por nascer exatamente neste período, em uma ambiente no qual o discurso do liberalismo industrial ganha ares de ideologia triunfante.
Em todo o país o crescimento foi fomentado pela ampla malha de comunicação hidroviária e ferroviária para escoamento da produção, com o que concordam todos os autores de referência mais recorrentes utilizados neste trabalho, em especial Sebben e Silva (2018)[46] que destacam a forte parceria público-privada fomentada entre todas as esferas federativas e o empresariado norte-americanos.
Por todas essas transformações os Estados Unidos alcançam o posto de maior economia global já em 1900[47], constituindo-se, portanto, o ambiente perfeito para o desenvolvimento de uma teoria da Administração que contemplasse às necessidades de uma nação que busca aumento de produtividade e consolidação de sua hegemonia.
Conclusão
A Administração como um campo de estudos autônomo é a consequência natural de um processo histórico que remonta às primeiras associações humanas e culmina com a ascensão da fábrica como modo de produção central da sociedade industrial, dizer-se que é uma consequência natural não quer significar, no entanto, que ignora-se as tensões sociais e os conflitos de ideias que permeiam toda a História. O que pretende-se afirmar é que a complexidade da sociedade industrial exigiu uma resposta para melhor conduzir as grandes organizações nascidas em seu âmago, e que daí, no momento apropriado, surgem as primeiras ideias de uma Administração dada em bases científicas.
Notas e Referências bibliográficas
* A carga horária considera o tempo gasto para leitura de texto e para assistir a videoaula.
[1] Administrador, especialista em Gestão Empresarial.
[2] CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração: abordagens prescritivas e normativas. Vol. 1, 7ª ed. Barueri, SP: Manole, 2014. p.15
[3] SANTOS, António Ramos dos. Um lugar de encontro entre o homem e os deuses. Revista Portuguesa de Ciência das Religiões – Ano II, 2003, n.º 3/4 – 189-196. Disponível em: http://recil.grupolusofona.pt/jspui/bitstream/10437/5574/1/lugar_encontro_homem_deuses.pdf.
[4] DIAMOND, J. Propaganda of the pyramids. Nature 424, 891–893 (2003) doi:10.1038/424891a. Disponível em: https://www.nature.com/articles/424891a.
[5] RIGBY, Jennifer. Building The Great Pyramid At Giza: Investigating Ramp Models. Brown Univerty, 2016. Disponível em: https://www.brown.edu/academics/archaeology/sites/academics-archaeology/files/publication/document/Rigby2016.pdf
[6] CHIAVENATO, Idalberto. op. cit.
[7] FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 8ª ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015.
[8] PELLIN, Daniela Regina; ENGELMANN, Wilson. As corporações de ofício e o desenvolvimento industrial das nanotecnologias: perspectivas para a teoria jurídica da empresa a partir dos compassos do tempo de François Ost. Conpedi Law Review. v. 2, n. 3, p. 372-394, jan/jun. 2016. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/conpedireview/article/view/3620.
[9] FORGIONI, Paula. op. cit. p. 44.
[10] CHIAVENATO, Idalberto. op. cit.
[11] TEIXEIRA, Hélio Janny; SALOMÃO, Sérgio Mattoso; TEIXEIRA, Clodine Janny. Fundamentos de Administração: a busca do essencial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
[12] MOTTA, Fernando Cláudio Prestes; VASCONCELOS, Isabella Gouveia de. Teoria Geral da Administração. 3ª ed. rev. - São Paulo: Cengage Learning, 2017;
HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S.A, 1977;
BASTOS, Daniel Schneider. O direito à subsistência em xeque: um olhar sobre a lei dos pobres e o ato de emenda de 1834. história econômica & história de empresas vol. 21 n° 1 (2018), 135-173. Disponível em: http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/546. Acesso em: 23 fev. 2020.
[13] CHIAVENATO, Idalberto. op. cit.
[14] PELLIN, Daniela Regina; ENGELMANN, Wilson. op. cit.
[15] CHIAVENATO, Idalberto. op. cit., p. 60.
[16] CHIAVENATO, Idalberto. op. cit., p. 61.
[17] CHIAVENATO, Idalberto. op. cit., p. 64.
[18] MOTTA, Fernando Cláudio Prestes; VASCONCELOS, Isabella Gouveia de. Teoria Geral da Administração. 3ª ed. rev. - São Paulo: Cengage Learning, 2017. p. 12
[19] MOTTA; VASCONCELOS. op. cit. p. 12
[20] HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S.A, 1977.
[21] As Corporações de Ofício eram um sistema de produção artesanal e monopolista dentro de um determinado território, de caráter coletivista, mas restrito aos membros de determinado ofício, com a intenção de transmissão da arte do ofício e de proteção social dos membros da categoria.
[22] SANTOS, Lenalda Andrade. A revolução industrial. Aula disponível em: <https://docplayer.com.br/32390331-Aula4-a-revolucao-industrial-lenalda-andrade-santos.html>. Acesso em 02 mar. 2020.
[23] HOBSBAWM, Eric J. op. cit., p. 75.
[24] HOBSBAWM, Eric J. op. cit., p. 167.
[25] BASTOS, Daniel Schneider. O direito à subsistência em xeque: um olhar sobre a lei dos pobres e o ato de emenda de 1834. História econômica & história de empresas vol. 21 n° 1 (2018), 135-173. Disponível em: http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/546. Acesso em: 23 fev. 2020. p. 136.
[26] BASTOS, Daniel Schneider. op. cit.
[27] A Riqueza das Nações é uma obra de economia lançada em 1776 e de autoria de Adam Smith, trata-se de um conjunto de análises de vários fatores de ordem econômica que inauguram o estudo contemporâneo da Economia.
[28] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit.
[29] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit., p. 64.
[30] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit., p. 64.
[31] MOTTA; VASCONCELOS. op. cit.
[32] A fadiga será uma das preocupações, ainda que de um ponto de vista meramente fisiológico, da teoria da Administração Científica.
[33] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit., p. 65.
[34] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit., p. 70.
[35] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit., p. 71.
[36] HOBSBAWM, Eric J. op. Cit.
[37] HOBSBAWM, Eric J. op. Cit. p. 322.
[38] HOBSBAWM, Eric J. op. cit.
[39] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit.
[40] HOBSBAWM, Eric J. op. cit.
[41] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit.
[42] HOBSBAWM, Eric J. op. cit.
[43] SEBBEN, Fernando Dall’Onder; SILVA, Pedro Perfeito da. Infraestrutura e desenvolvimento: estudo de caso sobre os Estados Unidos no século XIX. Revista história econômica & história de empresas vol. 21 no 1 (2018), 175-20. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/554/400>. Acesso em: 15 mar. 2020.
[44] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit.
[45] SANTOS, Lenalda Andrade. op. cit.
[46] SEBBEN; SILVA. op. cit.
[47] SEBBEN; SILVA. op. cit.